domingo, 3 de abril de 2011

Quase tudo

Inês Serra Lopes no "I".

Segunda-feira, dia 21
O ministro, a mulher do ministro e o Estado devedor
A notícia que há-de alternar com o défice e a ajuda externa nas capas dos jornais durante toda a semana é o pagamento à mulher do ministro da Justiça de cerca de duzentos mil euros – que lhe eram devidos. O Alberto Martins que eu conheço, ministro ou não ministro, é um homem sério. Presumo que a sua mulher procuradora do Ministério Público não é menos. Sobre o ex-secretário de Estado que assinou o despacho autorizando o pagamento, digo apenas e só que tenho muito orgulho em conhecê-lo. O que fará com que três pessoas respeitáveis se vejam envolvidos numa história em nada respeitável? Andei a tentar deslindar a história e desmontar as peças do escândalo. Basicamente, a procuradora recebeu o dinheiro que lhe era devido. Simplesmente, além de ela há muitas centenas de procuradores a quem o Estado também deve dinheiro. Perante um Estado de tal forma incumpridor, qualquer pessoa devia ter vergonha de discutir o pagamento de uma das pessoas a quem o Estado deve.

Terça-feira, dia 22
Bom Census 2011
Todos temos que responder às perguntas do Census 2011. Por muito que sejam ridículas. E algumas são muito ridículas – para além de serem intrusivas e de quererem saber mais do que deveriam , mas isso é outro ponto. Vou apenas àquelas que mostram à evidência a ridícula imagem que o Estado dá de si próprio em algumas questões do Census. Para quem não leu o questionário, só dois exemplos: “Qual é o seu estado civil legal?” Boa. Haverá estados civis ilegais? Ocorre-me apenas a bigamia… Há mais: “Já alguma vez trabalhou? Se já trabalhou nem que fosse uma hora e recebeu pagamento em dinheiro ou de outro tipo assinale ‘Sim’. É melhor lembrarmos estas perguntas quando nos apresentarem os resultados deste censo: quem trabalhou uma hora numa semana da vida, mesmo que tenha recebido em mimos ou chocolates, já trabalhou! Assim é fácil. Mais uma para envergonhar um Estado que vai nu, como o rei. É a questão 32 e merece destaque – tanto à esquerda quanto à direita. Diz assim: “Se trabalha a ‘recibos verdes’ [os parêntesis estão no original] mas tem um local de trabalho fixo dentro de uma empresa, subordinação hierárquica efectiva e um horário de trabalho definido deve assinalar a opção ‘Trabalhador por conta de outrem” É demais. Até como cidadã me envergonha. Espero que o Presidente da República responda ao Census 2011 – porque este merece mesmo um “sobressalto cívico”. Afinal, que raio de país hipócrita e fingido andamos a construir? Infelizmente o ridículo não mata.

Quinta-feira, dia 31
O melhor e o pior de Santana Lopes
Depois da formalidade de ouvir os partidos políticos, Cavaco Silva reuniu hoje o Conselho de Estado e falou ao país, inaugurando uma magistratura verdadeiramente activa. Depois de anunciar que aceitou a demissão de José Sócrates, o Presidente anunciou a dissolução da Assembleia da República e fez um diagnóstico duro da crise política, financeira, económica e social. O discurso de Cavaco Silva não poupou ninguém, governo e oposição. Admoestou os líderes do PS e PSD por não se entenderem e deu directivas sobre a forma como os partidos devem fazer campanha. O Presidente disse mesmo que, além de a campanha dever ser sóbria nos meios e esclarecedora nas propostas , os partidos não podem fomentar um clima de crispação que impossibilite entendimentos pós-eleitorais. O ponto alto, e o mais duro, da intervenção de Cavaco Silva foi a situação económica do país e os poderes do governo de gestão, que estavam a ser alvo de acesas discussões. Hoje mesmo o ministro das Finanças dissera que o governo de gestão não tinha.~

Sexta-feira, dia 1  
O discurso de Cavaco e as eleições
O PSD afirmou hoje que se o governo pedir ajuda externa contará com o apoio do PSD. Na véspera, já o PS e o país tinham ficado a saber que o Presidente da República considerava que o governo, mesmo em gestão, tem que gerir os compromissos do Estado e tendo em conta o que é melhor para o Estado. 

País sem abrigo
Para mim foi uma surpresa, confesso. O discurso desta semana de Cavaco Silva foi especialmente duro e serviu para delimitar duramente as margens do que vai respeitar durante este mandato que começa agora. Particularmente importante foram as referências do Presidente da República à questão económico-financeira. O Presidente da República sabe o que os economistas não ignoram mas à qual o país tem sido relativamente poupado: Portugal está à beira da bancarrota. Não adianta culpar os mercados, os especuladores e a crise internacional. Portugal tem que pagar cerca de 14 mil milhões de euros até Junho. E não há liquidez nem parece haver possibilidade de conseguir financiamentos. A alternativa chama-se “ajuda externa”. E foi sobre isso que o Presidente da República falou esta semana. Disse que nos termos constitucionais a demissão do primeiro-ministro implica a demissão do governo, ficando este em gestão. E que é esta é circunscrita “à prática dos actos de gestão do Estado”. Cavaco Silva explicou que o governo “não está impedido de praticar os actos tanto no plano interno quanto externo”. Mais do que isso, o Presidente disse que queria “publicamente garantir que que o actual governo contará com o meu apoio para assegurar os meios de financiamento necessários ao funcionamento da nossa economia.” E Cavaco disse mais: “O governo encontra-se em gestão mas o Estado permanece. E tem de cumprir os seus compromissos”. Não podia ser ,mais claro, o Presidente. No dia seguinte, sexta-feira, já o líder do PSD prometia o seu apoio ao governo caso este peça ajuda externa. Não adianta continua o embuste: ir pedir dinheiro à China é tão embaraçoso quanto à comunidade internacional. E os juros são muitos mais altos. O recurso à ajuda externa é imperioso. Espero que aconteça já este fim de semana. E quanto mais tarde ocorrer mais caro nos sairá. Neste momento, somos um país debaixo da ponte. Em Junho seremos um punhado de sem-abrigos.

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